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Convivendo com a ansiedade generalizada - um relato

Quando você procura por "Ansiedade generalizada" ou "Crise de ansiedade" no Google, você se depara com textos falando dos sintomas dessa doença, com sugestões de tratamento, com descrições médicas e tantas outras coisas do gênero. Mas o que você não encontra são os medos, as dores, os pensamentos, os sofrimentos; você não encontra a luta eterna, diária, a luta para sair da cama, para viver mais um dia ao invés de sobreviver a mais um dia. E ai você pensa: será que sou só eu assim?

Cada vez que tenho coragem de falar em um grupo aquilo que sinto, aquilo que penso, as vezes em que fiquei travada em um lugar por medo de ir a diante, as crises de pânico, os pensamentos de morte, o sofrimento por decepcionar o outro, o medo do futuro...cada vez que eu tenho coragem de dizer as outras pessoas aquilo que passo, percebo que não, não estou sozinha. Escrever esse texto que para muitos parecerá bobagem é, para mim, uma técnica de salvação. Colocar para fora é meu alívio, e pensar que outros poderão se identificar e não se sentir sozinhos, é parte da minha auto-terapia.

Aos que convivem comigo e sofrem - ou já sofreram - com os cacos das minhas crises, saibam de algumas coisas:

1. Eu sinto muito. De verdade. De todo o meu coração;
2. Não era, de verdade, a minha intenção;
3. A minha ansiedade, minha mente em pânico, é mais forte do que o meu próprio eu quando estou em crise;
4. As vezes o sintoma físico - a briga, a falta de resposta ou atenção - foi com você, mas o real motivo não tem nada a ver com você ou com o motivo da briga;
5. Dói muito mais para mim saber que te magoei, do que doeria se eu tivesse sido magoada por você;
6. Eu sei como é difícil conviver com alguém tão instável, tão mutável. Sei como é difícil compreender nossa mente confusa, porque para mim também é praticamente impossível entendê-la e bem mais difícil de conviver com ela;
7. Por favor, não fale: "isso é besteira", "não fica assim, é exagero", "não pensa nisso que passa", ou coisas do tipo; a batalha interna é gigantesca, e não conseguimos controlar grande parte dos nossos atos e pensamentos. Não é só parar de pensar, é brigar para aqueles pensamentos serem dominados.


Li uma vez um relato, um texto que falava sobre coisas que uma pessoa que sofre de ansiedade gostaria que as outras pessoas soubessem. Nele, um dos tópicos que até hoje não sai da minha cabeça é: "Muitas vezes desmarcamos encontros que esperávamos há tempos simplesmente pelo medo de que eles deem errado". Foi naquele momento em que eu pensei: "Então essa não sou eu, essa é a minha ansiedade!". Veja bem, eu vivi meus 29 anos dessa maneira; era tudo normal para mim. Lembro de ainda adolescente, sair do meu quarto e ir dormir com a minha mãe porque tinha certeza de que naquela noite eu morreria. Lembro de em outros dias colocar o despertador a cada uma hora para garantir para mim mesma que estava viva durante a noite. Racionalmente falando: se eu morresse, o que o despertador faria por mim? Nada, certo? Mas minha mente em pânico só conseguia descansar daquela maneira. Procurei a terapia depois de, já morando sozinha, me ver ligando para minha mãe no meio da madrugada, desesperada, implorando para ela me buscar porque eu havia acordado achando que estava morrendo. O medo me controlou completamente naquele momento; o pânico só cresceu, e por dias não consegui dormi. O calmante que antes me colocava para dormir por horas, agora era água para meu organismo. Minha mente gritada pavor e medo, ao ponto de me ver sentada numa sala de emergência de um hospital crente que estava tendo um ataque cardíaco, porque eu tinha todos os sintomas deste: meu coração palpitava alucinadamente, meu peito doía e meus braços formigavam; eu não conseguia respirar. A terapia foi minha salvação.

Mas a ansiedade é assim: quando você acha que está melhor, ela chega com tudo, te dá um soco na cara, e se prova mais viva do que nunca. O pânico volta a te dominar. Os seus medos voltam a te assombrar e, com eles, chega o maior de todos: o medo de perder mais uma vez o controle. E quando isso finalmente acontece - porque sempre acontece - o desespero por saber que a mente te controlou é ainda maior. Para mim, a dor maior é saber que eu arrasto tanta gente comigo nessa escuridão. Eu falo as palavras que não quero dizer, eu ajo da maneira que não quero agir; sou bruta, grossa, incompreensiva, egoísta, irritadiça; eu não escuto, eu não acolho, eu não apoio; eu machuco, e tanto. E quando a assombração vai embora, vem a dor racional de ter machucado tanto quem estava ali por você. Essa é a maior dor de todas.

A crise vai embora, mas ela deixa um rastro. Um rastro de pensamentos ofensivos, depreciativos; um rastro de miséria, se incompetência; momentos quase insuportáveis, em que você acredita ser o pior de todos os seres humanos, o lixo mais imundo que existe. Mas você não é; é ela que quer que você acredita nisso.


A solidão é uma das minhas piores dores quando estou em crise. Adoro ser independente, aprecio absurdamente meu lar, meu silêncio, meu tempo livre, meus gatinhos e meus livros; adoro um passeio solitário de bicicleta ou algumas horas de leitura na praia. Nos dias normais. Nos momentos de crise, o silêncio grita a incompetência de não ter ninguém, de não ter amigos pro perto, de não ter criado uma família. Assistir filmes e séries ou ler, coisas que normalmente me enchem de prazer, viram tédio e a constatação de que só sei usar meu tempo com coisas inúteis. E com isso vem a culpa, a culpa por tanta coisa e por nada. E quando finalmente não estou só, tendo a, de alguma maneira, estragar tudo e afastar as pessoas que ainda estou ali comigo. A eterna dualidade da vida de quem convive com esse mal.

Na minha cabeça, tudo é minha culpa, e a todo momento estou incomodando; luto bravamente para ser uma pessoa melhor a cada dia, mas na maior parte das vezes acredito que não sou; não acredito em mim, nem no meu talento, mesmo com as pessoas repetindo minhas qualidades várias e várias vezes; eu vejo o lado bom das coisas e pessoas, mas ás vezes só consigo parecer egoísta e sem coração; minha mente me faz acreditar que não sou compreendida por ninguém, e ao mesmo tempo, me impede de ser verdadeira, de ser eu mesma, porque o medo de errar é bem maior. A mudança é algo que me paralisa, que me amedronta. Gosto de rotina e me sinto completamente perdida quando ela é quebrada, ao mesmo tempo em que odeio fazer a mesma coisa sempre. Uma palavra às vezes me tira noites e noites de sono; falar com alguém, especialmente para pedir ajuda, as vezes é um grande sacrifício e me custa dias e dias de pensamentos e "treinamentos", antes de finalmente ter coragem de fazê-lo. Eu sempre vejo o pior cenário quando penso no futuro; uma bobagem aos olhos de todos, pode ser motivo de grande sofrimento para mim. Assim me sinto convivendo com a ansiedade.

Mas cada dia é um novo dia, certo? Tem dias em que pularei da cama no primeiro toque do despertador, e farei tudo com felicidade e leveza. Serei uma grande amiga, uma ótima filha, acreditarei no meu talento, no meu trabalho, acreditarei em mim; tem dias em que o despertador tocará por horas até eu finalmente conseguir reunir todas as minhas forças para levantar e seguir em frente, não vivendo, mas sobrevivendo a mais um dia; e tem os dias de equilíbrio, nos quais mesmo difíceis e cheios de batalha, eu conseguirei convencer a mim mesma de que vale a pena lutar, que vale a pena sorrir, que vale mais a pena viver do que sobreviver. E é por esses dias que rezo todos os dias e que junto forças para sempre vencer a batalha contra esse monstro chamado ansiedade.

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