“Quero ir bem alto, bem alto...numa sensação de saborosa superioridade...é que do outro lado do mundo tem uma coisa que eu quero espiar” – Patricia Galvão
Não sei exatamente há quanto tempo me interesso pela figura de Patricia Galvão - ou, como é mais conhecida, Pagu. Não existe uma data marcada para que eu possa dizer: foi nesse dia em que a descobri. Não. Na verdade, hoje, vejo isso quase como algo intrínseco. Não lembro quando comecei a alimentar o desejo de descobrir mais, estudar, ler, conhecer, tentar entender o que se passava na cabeça dessa mulher. Lembro-me de uma única coisa: lá, nesse começo remoto, a única coisa que sabia era que ela havia sido uma militante política e que sofrera por toda a sua vida. Tão pouco perto do – ainda pouco – que sei hoje. Tanto para uma adolescente que só conhecia um mundinho cor-de-rosa, sem sofrimentos, sem dor, sem luta.
Ao certo, a minha primeira lembrança imagética dessa figura faz parte de uma de minhas mais antigas lembranças de qualquer informação a respeito dela: a foto em que Pagu aparece, na praia de Santos, com a mão sobre os olhos, contemplando o mar. Foram inúmeras às vezes pelas quais passei por essa imagem, afixada junto a uma micro-biografia de Patricia na parede ao lado da entrada da sala que recebia seu nome, na escola em que cursei o Ensino Médio. Foram inúmeras às vezes em que, chegando antes do horário da aula, deixei-me levar pelo fascínio por aquela mulher desbravadora, única, e li e reli aquele pequeno texto, sempre adicionando matéria ao meu já iniciado desejo pela busca de mais informações a seu respeito. Talvez tenha sido com esse pequeno pedaço de papel que tudo começou. Talvez tenha sido numa exposição, que até hoje recordo, de imagens e croquis de Pagu, realizada na Pinacoteca de Santos, na qual, com certa estranheza, descobri que ela havia sido mulher de Oswald de Andrade e que, sim, ela tinha filhos.
Aos poucos, outras informações foram aparecendo. Mas, talvez por displicência, o desejo continuou no desejo e, por muitos anos, por isso ficou. Talvez tenha sido melhor. Hoje, eu tenho muito mais maturidade pessoal, cultural, histórica, para entender pelo que ela passou e – tentar – entender o que se passava dentro dela.
Pagu foi revolucionária. Escreveu o primeiro romance proletáriario do Brasil. Foi a primeira presa política. Foi a primeira a enviar a semente de soja ao país. Foi a introdutora do teatro do absurdo no país. Descobriu Plínio Marcos. Lutou por uma vida mais justa, por seus ideias; lutou pela cultura, especialmente em Santos. Sem ela, muita coisa seria diferente. Especialmente para nós, santistas. Ela fez muito e é tão pouco (re)conhecida.
Muitos passam por Santos e nem sabem que ela aqui pisou. Muitos passam pelo nosso Centro Cultural, que recebe seu nome, e não sabem quem ela foi. Entram na Cadeia Velha, participam das Oficinas Pagu que ali são ministradas e nem imaginam o porquê receberam esse nome. Adentram os corredores desse espaço e acreditam serem unicamente passagens que um prédio antigo, sem saberem o que realmente aconteceu ali. Muitos passaram, passam e passarão pelo mesmo “pedaço de papel com uma foto” pelo qual passei durante meus três anos de Ensino Médio e não pararão para ler aquele minúsculo texto; e, se o fizerem, para a grande maioria, não fará grande diferença. Passaram pelas belas praias da cidade, com seu enorme jardim, e nunca imaginaram que ali também esteve uma grande revolucionária, uma grande artista, uma grande escritora...uma grande mulher.
Gostaria de tê-la conhecido. Mas, como não foi possível, sinto a honra – e a agradeço por isso - de poder desfrutar de tudo pelo qual ela lutou e iniciou. A cultura santista, a soja, o teatro, a literatura...Sinto a sua energia quando piso na mesma cela em que, pela primeira vez, foi presa após um comício – ou uma tentativa de – na cidade. Aquela cela que, até hoje, é gelada, fria e muito mais triste e carregada do que qualquer outra da Cadeia Velha, faz-me imaginar o que ela não sofreu. Nos dias de chuva, aquele ambiente é úmido e frio. Nós temos casacos, meias e sapatos. Ela, provavelmente, nada disso tinha. É triste e angustiante.
Pagu foi, é e sempre será uma inspiração. Não desfruto de quase nada de sua força e coragem, mas de seu desejo de lutar pelos seus sonhos, pelas suas vontades e de ser diferente, destoar da maioria, disso eu compartilho, mesmo que seja numa quantidade muito menor e de uma forma muito diferente. “Sonhe, tenha até pesadelos se necessário for. Mas sonhe”.
Dica de leitura: Se alguém se interessar por essa autora, aqui vai a minha dica. “Dos escombros de Pagu – um recorte biográfico de Patrícia Galvão”, de Tereza Freire.
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